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Nova fome, novo mercado: como os remédios para emagrecer estão mudando a forma como o Brasil come

  • Foto do escritor: Tali Americo
    Tali Americo
  • 21 de jul.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 4 de ago.

Popularização dos medicamentos contra obesidade transforma o apetite, o comportamento alimentar e ameaça os velhos pilares da indústria de alimentos


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A história da alimentação é também a história dos desejos. Por milênios, o ser humano comeu para sobreviver; depois, para se reunir; mais recentemente, para se expressar.


Agora, em pleno 2025, emerge uma nova etapa: comer menos — não por escolha consciente ou moral, mas por efeito químico.


Com o avanço e a democratização dos medicamentos para emagrecer, como os agonistas do GLP-1 (ex: semaglutida), um número crescente de brasileiros está experimentando um novo tipo de apetite: reduzido, objetivo, muitas vezes desinteressado. Os efeitos são fisiológicos, mas as consequências são culturais — e atingem toda a cadeia alimentar, da indústria aos rituais cotidianos à mesa.


Quando o apetite desaparece


Esses medicamentos não apenas reduzem a fome: eles atenuam o prazer em comer. Ao agir diretamente nos centros cerebrais de saciedade, interferem em um dos impulsos mais básicos da espécie humana. E isso tem implicações profundas.


Se antes o consumo era guiado por estímulos visuais, sociais e emocionais (o “comer por prazer”), agora muitos relatam um impulso oposto: a indiferença. A comida deixa de ser um evento e se torna necessidade. Para uma cultura como a brasileira, onde a refeição é espaço de socialização, identidade e afeto, isso representa uma disrupção.


A indústria responde


Os primeiros sinais dessa transformação já aparecem nos números. Vendas de doces, salgadinhos, refrigerantes e fast food desaceleram discretamente. O que parecia um movimento de busca por saudabilidade, agora se revela também como um desdobramento farmacológico. O apetite está em mutação — e o mercado precisa se adaptar.


Marcas reformulam embalagens para porções menores, redes de alimentação testam menus com mais proteína e fibra. E um novo setor se fortalece: o de alimentos funcionais, com promessas de nutrição eficiente, saciedade e “performance metabólica”. Em outras palavras, comer menos, com mais propósito.


Psicologia do consumo sob pressão


O fenômeno também desafia pilares da psicologia alimentar. Por décadas, a alimentação foi entendida como expressão de vínculos emocionais: conforto, recompensa, celebração.

Agora, a farmacologia propõe um corte artificial nesse laço — o desejo não desaparece por amadurecimento, mas por intervenção.


Isso gera tensões: para quem come menos, eventos sociais podem parecer excessivos; para quem mantém o apetite, o novo comportamento pode soar alienado ou até frio. Surge uma divisão invisível à mesa, onde a linguagem simbólica da comida já não é mais compartilhada da mesma forma.


E o futuro da gastronomia?


Resta à cultura gastronômica repensar seus próprios valores. A abundância sempre foi um símbolo de generosidade e sofisticação. Mas quando a saciedade é química, o luxo pode passar a ser a precisão. Porções menores, sabores concentrados, menos variedade — mais significado.


A comida, antes extensão do desejo, pode tornar-se um gesto quase meditativo. Não mais sobre “o que vamos comer?”, mas “por que vamos comer isso?”.


Um divisor de águas


O impacto dos medicamentos para emagrecer vai além do emagrecimento. Ele toca no núcleo da nossa relação com o corpo, com o prazer e com o outro. O apetite, afinal, sempre foi uma metáfora poderosa: desejar é humano.


Ao controlar o apetite, não estamos apenas alterando o corpo — estamos transformando o modo como existimos em sociedade. Comer sempre foi mais do que nutrição. E talvez estejamos entrando em uma era em que comer menos será mais do que uma tendência: será uma nova forma de estar no mundo.

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