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Mise en place: a arte de preparar a mesa — e por que ela ainda importa

  • Foto do escritor: Tali Americo
    Tali Americo
  • há 12 minutos
  • 3 min de leitura

Mesmo em tempos de refeições apressadas, o ato de arrumar a mesa segue como um gesto de cuidado, memória e cultura.


À primeira vista, dispor garfos, facas e copos pode parecer um detalhe protocolar, herança de manuais de etiqueta e jantares formais. Mas o mise en place de mesa — expressão francesa que significa literalmente “colocar em ordem” — carrega muito mais do que regras: ele é o reflexo de séculos de história sobre como comemos, convivemos e nos apresentamos uns aos outros à mesa.


A prática nasceu na França do século XVII, em plena era do refinamento aristocrático. Na corte de Luís XIV, o ritual da refeição se transformou em espetáculo. Cada prato era servido com pompa e cronologia: primeiro as sopas, depois as carnes, em seguida as sobremesas. Com o tempo, as posições dos talheres, pratos e copos passaram a ter uma lógica funcional — o que começava à esquerda, usava-se primeiro; o que ficava à direita, era reservado para os momentos seguintes.



A mesa como espelho de civilização


Na Europa, especialmente entre os séculos XVIII e XIX, o modo de dispor uma mesa passou a simbolizar civilidade e educação. Saber onde posicionar o guardanapo ou qual garfo usar dizia muito sobre status e pertencimento.Mas há também um aspecto filosófico: o mise en place é uma metáfora da própria vida organizada, um convite à atenção plena antes do prazer.

“O ritual de preparar a mesa é uma forma de dizer: estou presente, disposto a partilhar”, afirma o antropólogo fictício Luiz Aranha, pesquisador de cultura alimentar. “Mesmo nos almoços simples, essa intenção muda o clima da refeição. É um código silencioso de afeto.”


Ordem e função: por que cada peça tem seu lugar


No modelo clássico, os talheres seguem a ordem do uso, de fora para dentro. À esquerda, os garfos; à direita, as facas e colheres. Os copos ficam acima, dispostos do maior para o menor — do vinho tinto à água. O guardanapo repousa ao lado esquerdo ou sobre o prato.Mas o importante não é decorar regras, e sim compreender seu sentido: a disposição evita confusão, cria fluidez e antecipa a experiência gastronômica.

A organização da mesa é, em essência, o mesmo conceito aplicado dentro da cozinha: mise en place é preparo. O chef organiza seus ingredientes antes de cozinhar; o anfitrião prepara o cenário antes de servir.


Mise en place no cotidiano: a elegância do simples


Hoje, em tempos de delivery, refeições rápidas e mesas compartilhadas com o notebook, o gesto de montar a mesa parece supérfluo — mas pode ser o oposto. Um prato de cerâmica no lugar da embalagem, um copo de vidro no lugar do descartável e um guardanapo de pano bastam para transformar a refeição em pausa e presença.

Psicólogos que estudam comportamento alimentar observam que comer em um ambiente visualmente organizado reduz a ansiedade e melhora a digestão. O cérebro entende que há tempo e espaço para o prazer — algo raro no cotidiano apressado.


A mesa como lugar de encontro


Do ponto de vista social, a mesa sempre foi o centro da convivência. É onde se negociam ideias, se criam laços e se celebram afetos. E, em todas as culturas, a forma de arrumar esse espaço comunica valores. No Japão, o equilíbrio e a simetria refletem respeito. No Brasil, a abundância e o improviso traduzem generosidade.


No fundo, o mise en place não é sobre garfos e taças. É sobre a disposição de estar junto — sobre o gesto silencioso de preparar o terreno para o encontro.

E, talvez, seja por isso que, mesmo no século XXI, o simples ato de arrumar a mesa continue sendo um dos rituais mais humanos que existem.

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