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O colapso do prato perfeito: a nova era da comida bagunçada e real

  • Foto do escritor: Maiara Rodrigues
    Maiara Rodrigues
  • há 3 dias
  • 3 min de leitura

Durante anos, as redes sociais moldaram nossa percepção do que é “comida bonita”: pratos milimetricamente montados, cores saturadas, ângulos calculados e uma perfeição quase laboratorial. Mas esse reinado está ruindo. Em seu lugar, surge um novo movimento visual e emocional o da comida bagunçada e real, uma celebração do que é imperfeito, orgânico e espontâneo.


Um prato de massa com molho escorrido e talheres fora do lugar, em luz natural.


O fenômeno, batizado de “ugly delicious” (feio delicioso) por chefs e criadores de conteúdo, não é apenas uma moda estética. Ele reflete uma mudança cultural mais profunda: o esgotamento da performance visual e a busca por autenticidade, tanto na mesa quanto na vida.


Do food porn ao “food honesty”


O termo food porn definiu a era dourada da comida perfeita. Fotos que pareciam comerciais sem respingos, sem sombras, sem migalhas. Hoje, esse padrão começa a soar artificial. A nova geração de fotógrafos e influenciadores prefere mostrar o molho que escapa, a colher suja, a massa caída fora do prato.


O que antes seria erro de produção virou símbolo de verdade. Essa “bagunça intencional” comunica algo poderoso: alguém de verdade cozinhou isso.


No TikTok e no Instagram, o sucesso de contas que mostram receitas simples, filmadas sem cortes, com barulhos de panela e mãos sujas de farinha, é prova de que o público quer se reconectar ao real. O que importa agora é o gesto, não a encenação.


Autenticidade como novo tempero


O colapso do prato perfeito é também o colapso da estética da performance. As pessoas estão cansadas de cozinhas cenográficas e comidas que ninguém realmente come. A comida real torta quebrada, arroz queimadinho, bolo que afundou ganhou status de símbolo cultural.


Essa virada conversa com uma tendência mais ampla: a da autenticidade como valor de consumo. Marcas, restaurantes e chefs independentes perceberam que a estética do real gera conexão emocional e confiança. É o oposto do “food fake”: a comida agora precisa ter alma.


O novo luxo é artesanal


Em paralelo, cresce outro fenômeno: o da valorização do feito à mão, do artesanal e do pequeno produtor. Em meio à automação e à inteligência artificial, o luxo deixou de ser o inacessível e passou a ser o que tem história, toque e imperfeição.


Na gastronomia, isso se traduz na volta de práticas manuais: pães de fermentação natural, massas abertas na bancada, queijos de fazenda, cerâmicas irregulares que substituem a porcelana uniforme. O novo luxo é silencioso, discreto e carrega o selo da humanidade.


Cada ruga de um pão, cada rachadura num prato, cada desnível num copo de vidro artesanal contam algo: isso foi feito por alguém, não por uma máquina.


A estética do caos e o retorno do humano


A estética do caos — esse estilo que abraça o imperfeito não é desleixo. É uma escolha estética e filosófica. Ela traduz um retorno ao sensorial, ao toque humano e à espontaneidade, em contraponto à frieza do algoritmo e à simetria digital.


O “feio delicioso” é uma resposta cultural à saturação visual e ao cansaço do filtro. Assim como na moda vemos o movimento quiet luxury e na decoração o wabi-sabi (beleza da imperfeição), a comida segue o mesmo caminho: simplicidade com propósito, naturalidade com intenção.


Essa tendência também abre espaço para novas narrativas gastronômicas. Pequenos produtores e cozinheiros locais ganham relevância porque representam o que é genuíno. A comida deixa de ser espetáculo para voltar a ser experiência.


Mais do que tendência, uma mudança de valores


A revolução da comida real não é apenas uma moda visual é uma mudança de valores. É sobre reconectar o ato de comer ao humano, reconhecer o processo e celebrar o imperfeito como parte essencial do prazer.


O colapso do prato perfeito revela uma busca coletiva por verdade. Em um mundo digital onde tudo pode ser replicado, o toque humano virou um luxo raro. E talvez seja esse o verdadeiro sabor do futuro: um prato bagunçado, mas cheio de alma.

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