Marketing de influência na gastronomia: da Aunt Jemima aos chefs digitais
- Ana Beatriz
- há 1 dia
- 3 min de leitura
O marketing de influência na gastronomia parece um fenômeno recente, impulsionado por chefs-celebridades, creators e redes sociais. Mas sua história é bem mais antiga.

Desde o fim do século XIX, figuras reais e símbolos foram usados para vender alimentos, transformando rostos, narrativas e identidades em ferramentas poderosas de mercado. A trajetória vai de Nancy Green, uma ex-escravizada contratada para ser o rosto da marca Aunt Jemima, até os chefs digitais que hoje viralizam receitas no TikTok.

O primeiro caso documentado: Aunt Jemima
Em 1893, a Feira Mundial de Chicago apresentou ao público a marca de panquecas Aunt Jemima. Para promovê-la, os empresários contrataram Nancy Green, nascida escravizada em Kentucky, que se tornou a primeira garota-propaganda da história do setor alimentício. Vestida como uma “mammy” — estereótipo racista de mulheres negras como serviçais dóceis —, ela cozinhava panquecas e interagia com o público, ajudando a fixar a marca no imaginário norte-americano.
A estratégia foi um sucesso: as vendas dispararam, e Nancy Green se transformou em símbolo publicitário. O caso ilustra como o marketing de influência se apoiava não só em identidades, mas também em estereótipos sociais que hoje são questionados.
Quaker Oats e a moralidade no prato
Poucos anos antes, em 1877, a Quaker Oats registrou a primeira marca de cereal nos EUA. A escolha de um quaker como ícone não foi aleatória: transmitia honestidade, simplicidade e pureza moral, atributos que a empresa queria associar a seus produtos. Mais do que uma figura, tratava-se de uma identidade cultural usada como aval de credibilidade.
Assim como no caso de Aunt Jemima, a comida ganhava valor não apenas pelo sabor ou qualidade, mas pela história de quem a representava.
Religião e a difusão do chocolate
Séculos antes, no entanto, a própria difusão do chocolate na Europa já trazia um componente de influência. Ordens religiosas foram responsáveis por popularizar a bebida, apresentando-a como tônico medicinal e até espiritual. A imagem dos “padres chocolateiros” ajudava a legitimar o produto em uma sociedade ainda desconfiada das novidades vindas da América.
Essa conexão mostra como religião, moralidade e confiança social sempre desempenharam papel fundamental na aceitação de alimentos.
Aspectos antropológicos: identidade no prato
Alimentos não são apenas nutrientes: são símbolos de pertencimento. Ao escolher um produto porque ele carrega o rosto de alguém em quem confiamos — seja Nancy Green no século XIX ou um chef famoso hoje —, reforçamos laços culturais e sociais. Comer é também uma forma de se identificar.
Na antropologia da alimentação, isso se traduz no conceito de comida como marcador cultural. Marcas exploram esse fator ao conectar seus produtos a histórias, rostos e comunidades.
Psicologia da influência: por que seguimos rostos
O sucesso do marketing de influência, na gastronomia ou em outros setores, está ligado a mecanismos psicológicos de confiança e recompensa. Quando vemos alguém preparar, recomendar ou provar um alimento, ativamos gatilhos emocionais ligados ao prazer e à segurança.
No século XIX, isso era feito com figuras maternas e religiosas; hoje, com creators digitais que humanizam marcas ao compartilhar suas próprias experiências culinárias.
Do balcão ao feed: os chefs digitais
A lógica da Aunt Jemima e do Quaker continua viva. A diferença é que, em vez de feiras mundiais ou embalagens, hoje o palco é o Instagram, o TikTok e o YouTube. Chefs e influenciadores gastronômicos reúnem milhões de seguidores, transformando receitas, produtos e restaurantes em fenômenos virais.
Essa nova fase do marketing de influência na gastronomia amplia a velocidade e a escala de alcance, mas mantém a mesma base: a confiança do público em pessoas que simbolizam valores, identidades e estilos de vida.
A história do marketing de influência na gastronomia mostra como comida e identidade sempre caminharam juntas. Do rosto de Nancy Green nas panquecas Aunt Jemima ao criador digital que hoje viraliza uma receita de brigadeiro, a lógica é a mesma: vendemos e consumimos mais quando confiamos em quem representa o prato. O passado ajuda a entender o presente — e a refletir sobre quais rostos, histórias e símbolos queremos ver estampando nosso futuro alimentar.
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