Histórias da Culinária: A cerveja
- Tali Americo

- 28 de out.
- 2 min de leitura
Cerveja: a bebida que inventou a civilização
Muito antes de virar sinônimo de descontração e happy hour, a cerveja foi um dos pilares do nascimento da sociedade organizada. É difícil precisar o momento exato em que ela surgiu, mas há algo quase poético no fato de que, enquanto o homem aprendia a plantar cereais, ele também descobria — por acaso — que o grão fermentado podia virar prazer líquido.

As primeiras evidências da produção de cerveja datam de 7 mil anos atrás, nas margens do rio Tigre e Eufrates, região da antiga Mesopotâmia. Ali, entre trigo e cevada, alguém esqueceu uma massa de pão úmida exposta ao sol — e o resultado foi uma bebida turva e efervescente, com um leve teor alcoólico. Os sumérios celebraram o acaso e criaram rituais em torno da “bebida dos deuses”, oferecida à deusa Ninkasi, protetora da fermentação.
Os egípcios levaram a tradição adiante. A cerveja era alimento, pagamento e oferenda — operários das pirâmides recebiam até 5 litros por dia como parte do salário. Era uma bebida nutritiva, rica em carboidratos e vitaminas, muito diferente das versões filtradas e cristalinas de hoje.
Com o tempo, a cerveja viajou pela Europa. Na Idade Média, os mosteiros assumiram o protagonismo: monges aprimoraram técnicas de fermentação, adicionaram lúpulo (que prolongava a conservação) e criaram estilos que ainda dominam o mundo — como as ales belgas e as lagers alemãs. Não à toa, o Reinheitsgebot, decreto de pureza alemão de 1516, determinava que a cerveja só poderia conter três ingredientes: água, cevada e lúpulo. Era o primeiro regulamento alimentar da história moderna.
No Brasil, a cerveja chegou com os colonizadores, mas só ganhou força no século XIX, com a imigração alemã. Em 1853, o suíço Rudolf Niemeyer fundou em Petrópolis a Bohemia, considerada a primeira cervejaria do país. O hábito se espalhou rapidamente: a bebida fresca e leve combinava com o clima tropical e o gosto popular.
Hoje, o Brasil é o terceiro maior produtor de cerveja do mundo, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. São mais de 1.800 cervejarias registradas e um consumo médio de 60 litros por pessoa ao ano, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil). O setor movimenta cerca de R$ 77 bilhões anuais, empregando diretamente mais de 2 milhões de pessoas.
Mas o que antes era símbolo de grandes marcas e publicidade massiva vive uma revolução silenciosa. As cervejarias artesanais trouxeram novos rituais e sabores: IPAs, Stouts, Sours e Witbiers se tornaram expressões culturais tanto quanto gastronômicas. O brasileiro aprendeu a provar cerveja como se prova vinho — buscando aromas, notas e terroir.
Do ponto de vista simbólico, a cerveja é o espelho da convivência. Ela é social, democrática, plural. É a bebida que acompanha o churrasco, a praia, o estádio, o bar da esquina e a mesa do restaurante estrelado.
Da oferenda sumeriana à lata gelada do boteco, a cerveja é mais do que uma bebida: é uma herança da humanidade. Cada gole carrega milênios de história, trabalho e celebração — um brinde contínuo à própria civilização.
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