Dia da mortadela: O embutido que atravessou séculos, continentes e virou ícone da mesa brasileira
- Tali Americo

- 23 de out.
- 3 min de leitura
Atualizado: 23 de out.
A mortadela é mais do que um simples embutido — é uma narrativa sólida de história, migrações, adaptações e cultura popular. Da antiga Roma às padarias de bairro, ela transformou-se em símbolo de afeto, hambúrguer de preferência, lanche de mercado e patrimônio paulistano.
Da Bolonha às tabernas romanas
As origens da mortadela remontam à cidade de Bolonha, na região da Emilia-Romagna, Itália, onde o embutido “Mortadella di Bologna” já era documentado no século XIV.
Há mesmo indícios de que no Império Romano, figurar de carne moída temperada em placas de lápide associava-se a esse tipo de preparo. Em 24 de outubro de 1661, um decreto do cardeal Girolamo Farnese regulou a produção da mortadela em Bolonha, definindo padrões que seriam referência até hoje.
A etimologia da palavra também é carregada de mistério e simbologia: ela pode derivar de “myrtata”, uma carne temperada com bagas da planta mortella, ou de “mortaio”, o pilão usado para moer carne.
Chegada e reinvenção no Brasil
No início do século XX, com as grandes vagas de imigração italiana ao Brasil, a mortadela chegou acompanhando famílias e suas tradições alimentares. Logo ela encontrou solo fértil na capital paulista, onde padarias, lanchonetes e mercados populares a adotaram de forma entusiástica.
Em São Paulo, o embutido ganhou status de ícone local — no célebre Mercado Municipal de São Paulo (o “Mercadão”), o sanduíche de pão francês recheado com mortadela tornou-se atrativo turístico e símbolo da cidade.
Segundo relatos, versões iniciais desse sanduíche remontam ao Bar do Mané (1933) ou ao Hocca Bar (1952), ambos no Mercadão.
Dos imigrantes à cultura popular
Se originalmente a mortadela era associada a processos delicados de produção nas tabernas europeias, no Brasil ela se democratizou. Tornou-se alimento de padaria, de lanche de feira, de happy hour — prato do dia a dia. A sua presença no cotidiano ajudou a construir a ideia de que “comida de verdade” não precisa de luxo para ser relevante.
A iguaria passou também por um processo de simbolização: em São Paulo, ao longo dos anos, o sanduíche de mortadela virou quase um patrimônio afetivo, evocando memórias de infância na padaria da esquina, encontros de madrugada, cheirinho de lanche generoso.
A mortadela hoje
Hoje, o Brasil celebra o “Dia da Mortadela” em 24 de outubro, data reconhecida por marcas como a Perdigão, que promove ações especiais para a iguaria. A indústria brasileira também padroniza os tipos de mortadela segundo regulamentações técnicas: carnes bovina, suína, aves; porcentagens permitidas; aditivos permitidos.
No cardápio urbano, a mortadela revela sua versatilidade: aparece em sanduíches exagerados, lanches de padaria, festivais gastronômicos e até em edições especiais sofisticadas (como a “Mortadela 471 SP” lançada para homenagear o aniversário de São Paulo).
Por que a mortadela ainda conquista
O sucesso da mortadela se deve, em primeiro lugar, ao seu valor afetivo. Para muitos paulistanos, ela evoca memórias de infância, de lanchonetes antigas e de encontros casuais em padarias — é uma comida que “acalma” a fome e desperta lembranças.
Sua versatilidade também explica sua permanência: o embutido aceita variações conforme os ingredientes disponíveis, os gostos regionais e até as preferências alimentares, podendo ser adaptado para versões mais simples ou versões mais elaboradas.
Além disso, a mortadela mantém um bom equilíbrio entre custo e benefício — é farta, saborosa e acessível, funcionando como alternativa ao lanche rápido tradicional, mas com muito mais identidade e história.
O embutido como espécie de história brasileira
Da Itália renascentista às mesas populares de São Paulo, a mortadela testemunhou viagens, adaptações e reinvenções. Ela é alimento — mas também símbolo. Símbolo de convivência, de continuidade, de história coletiva. É o lanche que não exige elegância, apenas passagem e companhia.
E então, quando você morder uma fatia generosa de mortadela, ou dividir um sanduíche no balcão de uma padaria, esteja lembrado: ali não há apenas carne embutida, há uma história viva — e uma capital da gastronomia urbana que escolheu esse embutido como sua bandeira rosada.
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