De coentro a café: os mistérios genéticos por trás do que amamos (ou odiamos) comer
- Ana Beatriz

- há 2 dias
- 3 min de leitura
Por que algumas pessoas acham que coentro tem gosto de sabão? Ou que café é amargo demais? E por que há quem adore queijo azul — enquanto outros o consideram intragável?
A resposta está em uma mistura fascinante de genética, memória e cultura alimentar.
Nosso paladar não é apenas uma questão de gosto — é também uma questão de biologia e experiência. E a ciência tem mostrado que há razões muito concretas (e curiosas) para essas diferenças.
O caso clássico: o coentro que “cheira a sabão”
O coentro (Coriandrum sativum) é a erva mais polêmica da gastronomia.Para parte das pessoas, seu aroma é fresco, cítrico e indispensável. Para outras, é puro “detergente”.
Pesquisadores identificaram que uma variação genética no gene OR6A2, ligado à percepção olfativa de aldeídos, é responsável por essa reação.Esses compostos também aparecem em produtos de limpeza — e, para quem é sensível, o cérebro literalmente os interpreta como sabão.
O gene do amargor e os superdegustadores
Algumas pessoas possuem mutações nos receptores TAS2R38, responsáveis por detectar sabores amargos.
Isso faz com que vegetais como rúcula, couve, brócolis e couve-de-bruxelas sejam percebidos como extremamente amargos — enquanto outros mal notam o gosto.
Esses “super-tasters” têm até 30% mais papilas gustativas e sentem sabores com o dobro da intensidade.
O mesmo gene também afeta a forma como sentimos o amargor do café, chocolate meio amargo e cervejas IPA.
O paradoxo do queijo azul
Os compostos que dão aroma ao gorgonzola e roquefort, como o ácido butírico e o isovalérico, também estão presentes no suor humano.
Sim: é literalmente o mesmo cheiro — só que o cérebro de cada pessoa decide se isso é sofisticação ou chulé.
A percepção depende da familiaridade cultural: para franceses e italianos, o aroma é saboroso; para quem não cresceu com queijos curados, é simplesmente “forte demais”.
Banana, baunilha e a memória do remédio infantil
O sabor artificial de banana e baunilha (produzido com os compostos isoamyl acetate e vanilina sintética) não se parece com o da fruta real.
E há um motivo psicológico para o desconforto que muitos sentem: são os mesmos aromatizantes usados em xaropes e remédios infantis.
Nosso cérebro cria associações duradouras — o que explica por que certos cheiros “doces demais” evocam enjoo, e não prazer.
A genética da cafeína
Nem todos metabolizam cafeína da mesma forma.
O gene CYP1A2 determina se o corpo processa a substância rápido ou devagar.
Quem tem a variante “lenta” sente mais os efeitos colaterais (palpitações, ansiedade) e tende a achar o gosto do café mais amargo e intenso.
Já os “metabolizadores rápidos” bebem espresso à noite e dormem tranquilamente.
Peixe fresco ou gosto de metal?
Alguns narizes são hipersensíveis à trimetilamina (TMA) — molécula responsável pelo cheiro de peixe.
Mesmo em peixes frescos, ela pode ser percebida como “rançosa” ou “metálica”.
Por isso, o que para um chef é “sabor de mar”, para outro pode ser “cheiro de mercado de peixe”.
Alho, cebola e o fator “enxofre”
Os compostos sulfurosos que tornam alho e cebola irresistíveis para muitos são os mesmos que fazem outras pessoas torcerem o nariz.
A alicina, liberada quando o dente de alho é cortado, é uma molécula volátil que pode ser percebida como “ácida” ou “metálica” em paladares sensíveis.
Curiosamente, esse grupo tende a preferir pratos menos condimentados — uma questão não de gosto, mas de biologia.
O paladar é biológico, mas também cultural
A genética explica parte da história, mas a cultura completa o sabor.
Crescer com certos temperos e técnicas de preparo treina o cérebro a reconhecer prazer onde antes havia rejeição.
É por isso que alguém que odiava coentro pode aprender a amá-lo — e que o mesmo queijo “forte” pode se tornar um favorito com o tempo.
No fim das contas…
O que chamamos de “gosto” é, na verdade, um diálogo entre biologia, memória e ambiente.
Do gene que transforma o coentro em sabão ao receptor que torna o café amargo, nosso paladar é tão único quanto nossa impressão digital.
Então, da próxima vez que alguém disser “não gosto de brócolis”, “detesto gorgonzola” ou “acho que café tem gosto de queimado”, lembre-se: Não é frescura — é ciência, genética e história pessoal servidas no mesmo prato.
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