A comida que virou moda: como a estética dos pratos domina passarelas, campanhas e editoriais
- Maiara Rodrigues

- 28 de out.
- 4 min de leitura
Não é apenas no prato que a comida tem chamado atenção. A estética dos pratos — o modo como alimentos são apresentados e fotografados — saiu das cozinhas e foi parar nas passarelas, campanhas de moda e editoriais de revistas. O que antes era apenas uma forma de embelezar refeições, hoje é tendência estética global, influenciando cores, texturas, estampas e até o comportamento dos consumidores.

De “looks que parecem sobremesas” a desfiles com mesas postas como passarela, a estética dos pratos virou símbolo de estilo, desejo e identidade cultural.
De onde veio a estética dos pratos
A ideia de que a comida pode ser arte visual não é nova. Desde os banquetes barrocos, em que a apresentação das iguarias refletia poder e status, até os anúncios publicitários dos anos 1950, com tortas milimetricamente montadas, a estética dos pratos sempre acompanhou transformações sociais e tecnológicas.
Mas foi com as redes sociais, especialmente o Instagram, que o fenômeno ganhou uma nova dimensão. A imagem do prato perfeito — alinhado, colorido, minimalista ou maximalista — tornou-se expressão de estilo de vida. O termo “food aesthetic” passou a englobar não só o prato em si, mas toda a atmosfera ao redor dele: a mesa, a louça, a luz e até o figurino de quem come.
Essa cultura visual foi rapidamente absorvida pela moda. O mesmo olhar que enquadra o cappuccino com espuma perfeita passou a definir campanhas, desfiles e produções editoriais.
Como a estética dos pratos invadiu a moda
A união entre moda e comida não é casual. Ambas tratam de desejo, prazer e expressão sensorial. Nos últimos anos, essa relação se intensificou:
Campanhas publicitárias de grandes marcas passaram a usar alimentos como metáforas de luxo e indulgência. Um exemplo icônico foi o desfile da Moschino, em 2014, que trouxe fast food para a alta costura — hamburgueres e batatas fritas viraram ícones fashion.
Nas passarelas contemporâneas, designers como Collina Strada, Simone Rocha e Jacquemus exploraram alimentos em estampas, acessórios e até cenografias com frutas frescas e pães artesanais.
Em editoriais de revistas, o food styling ganhou protagonismo: modelos posam entre massas, sobremesas e taças de vinho, num diálogo direto entre o vestir e o comer.
A estética dos pratos tornou-se, assim, um recurso para aproximar o público da moda — afinal, a comida é universal. Ela desperta emoções e cria identificação instantânea.
O poder das redes sociais e o “instagramável”
Nenhum fenômeno estético recente escapa ao impacto das redes sociais. A busca por imagens perfeitas — coloridas, texturizadas e simétricas — elevou o padrão visual do que se entende como “bonito”.
Os restaurantes adaptaram seus ambientes e pratos para serem “fotografáveis”. A moda fez o mesmo: looks e cenários passaram a ser pensados com o mesmo rigor cromático e composicional de um prato gourmet. O termo “estética dos pratos” tornou-se sinônimo de equilíbrio visual e harmonia entre elementos.
Hoje, a tendência vai além da fotografia de comida. Ela define paletas de cores (tons pastéis de sobremesas, vibrantes de frutas tropicais), inspira editoriais que simulam mesas postas e até influencia a maquiagem e o design de acessórios — brincos em forma de frutas, bolsas que lembram pães, estampas de morangos e cerejas.
O simbolismo cultural da estética dos pratos
Há também um componente simbólico forte nessa tendência. A comida carrega significados afetivos e culturais. Ao incorporar elementos gastronômicos, a moda se apropria dessas emoções.
Nostalgia: referências a doces de infância, como bolos e sorvetes, remetem a conforto e leveza.
Exotismo: frutas tropicais e ingredientes coloridos evocam frescor, sensualidade e naturalidade.
Sustentabilidade: alimentos orgânicos e o “visual de feira” aparecem em coleções que exaltam o consumo consciente.
Inclusividade: a comida, como linguagem universal, é capaz de representar culturas diversas e aproximar identidades.
Essa dimensão simbólica explica por que a estética dos pratos ultrapassou a fotografia e se tornou um conceito: ela é visual, emocional e política ao mesmo tempo.
Como a indústria tem usado a estética dos pratos
Nos bastidores, agências de publicidade e consultores de imagem têm investido pesado em referências gastronômicas. É comum que campanhas contem com food stylists — profissionais especializados em criar cenas visuais com comida — para garantir impacto estético.
Além disso, marcas de cosméticos e lifestyle também aderiram à tendência: fragrâncias inspiradas em sobremesas, embalagens com design de confeitaria e produtos que prometem “texturas comestíveis” são cada vez mais frequentes.
Até os desfiles ganharam novos formatos: mesas postas como passarela, banquetes cenográficos e looks que “brincam” com alimentos. A estética dos pratos, nesse contexto, se transforma em linguagem visual completa — um modo de comunicar sensações.
Moda, comida e capitalismo de experiência
Vivemos na era da experiência. O consumidor não quer apenas comprar um produto, mas viver uma história. E nada é mais sensorial do que comer. Por isso, unir moda e comida é unir duas potências emocionais.
Cafés de marca, eventos com degustações assinadas por chefs e vitrines que imitam padarias francesas fazem parte dessa lógica. A estética dos pratos é a ponte entre o consumo visual e o prazer físico. Ela faz com que o público sinta, ainda que por meio da imagem, uma experiência completa.
Críticas e limites dessa tendência
Como toda tendência dominante, a estética dos pratos também enfrenta críticas.Alguns especialistas apontam o risco de superficialização — quando o alimento vira mero adorno, esvaziado de seu significado cultural. Outros alertam para a fetichização da comida, que pode reforçar desigualdades: em um mundo onde milhões passam fome, usar alimentos como símbolo de luxo pode soar insensível.
Ainda assim, quando usada de forma consciente, essa estética pode ser ferramenta de reflexão e celebração cultural. Diversos artistas e designers têm explorado a comida para questionar padrões de beleza, gênero e consumo.
Conclusão
A estética dos pratos é mais do que uma moda passageira: ela expressa o nosso tempo. Reflete a fusão entre arte, consumo, prazer e identidade. Ao dominar passarelas, campanhas e editoriais, ela mostra que o visual da comida é, também, o retrato de uma geração que vive pela imagem — e busca nela o sabor da experiência.
Moda e gastronomia se encontram, portanto, não apenas na beleza, mas na narrativa. Ambas contam histórias sobre quem somos e o que desejamos.
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