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Doce brasileiro: por que e como comemos açúcar?

  • Foto do escritor: Tali Americo
    Tali Americo
  • 24 de jul.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 4 de ago.


Brigadeiro é doce brasileiro dos mais apreciados
Brigadeiro é doce brasileiro dos mais apreciados

A doçura tem, no Brasil, lugar de destaque. Apesar de tradições culinárias vastas e vegetais abundantes, é o doce que parece fundir vontade, memórias e conforto. Praia de infância, festa de São João, sobremesa da vó — tudo parece conectar-se ao doce de alguma forma. Mas por que o brasileiro ama tanto o doce? E como isso o posiciona em relação a outros países e regiões?


Do doce brasileiro: histórias que adoçam


O universo dos doces no Brasil tem raízes indígenas, europeias e africanas. Ingredientes como o amendoim, a rapadura e o leite condensado surgiram no país colonial e deram origem a receitas que hoje soam perfeitamente brasileiras.


O pudim de leite condensado, o bolo de rolo pernambucano, a paçoca de amendoim ou a goiabada caipira são marcas de uma culinária criadora que transformou a doçura em símbolo afetivo e identitário. O pavê, por exemplo, já estava presente na mesa brasileira décadas antes da similaridade com o tiramisù italiano, nos anos 1930.


E o pé de moleque, típico das festas juninas, mistura tradição de engenhos e rapadura com amendoim local, representando o doce que vinha do campo para a mesa urbana.


Brasileiro x latino x global: quem come mais doce?


Segundo dados recentes da Kantar e da Abicab, 92,9% dos lares brasileiros consumiam chocolate em 2024 — uma alta significativa em relação a 2020 (85,5%) — e o consumo semanal subiu de 56% para 65%. O brasileiro médio consome 3,9 kg de chocolate por ano — o maior volume dos últimos cinco anos.


Quando comparamos com outros países da América Latina, observamos que a região apresenta um dos maiores consumos per capita de bebidas açucaradas. Países como Cuba, Venezuela e México têm índices ainda mais elevados, mas o Brasil também aparece em destaque global no consumo de açúcar embutido em produtos industrializados.


Globalmente, o apelo dos doces—chocolates, biscoitos e sobremesas industrializadas—vem perdendo fôlego em mercados como os Estados Unidos, que registram queda de 14% nas vendas de snacks doces e snacks assados. Consumidores procuram por porções menores e produtos com menos açúcar, refletindo uma mudança de comportamento.


O brasileiro gosta mais de doce ou de salgado?


Embora o salgado seja parte essencial da refeição cotidiana — com destaque para salgadinhos populares como coxinha, pão de queijo e sanduíches rápidos — o doce tem apelo emocional.


O brigadeiro, presença certa em festas, e os doces regionais ("Romeu e Julieta", goiabada, bolo de rolo, paçoca) são consumidos em ocasiões que ultrapassam o lógico e tocam a esfera afetiva.


A frequência de consumo doce — especialmente chocolate — parece estar crescendo mais rápido que o consumo de salgados indulgentes. Ainda que salgadinhos continuem firmes em mercados populares, o consumo emocional do doce é mais transversal socialmente, mesmo entre classes C, D e E.


Industrial ou artesanal? A disputa pelo açúcar


A maior parte do consumo doce no Brasil é de produtos industrializados — achocolatados, chocolates de marcas grandes, balas e bombons. Isso contrasta com os doces artesanais, ainda presentes em cultivos regionais ou festas locais. O doce de leite mineiro artesanal ou a paçoca de amendoim de Piranguinho (MG) são apreciados por um público que busca autenticidade e menos aditivos.


Nos últimos anos, emergiu uma valorização crescente dos doces caseiros e regionais, resgatando técnicas manuais e ingredientes locais como alternativa aos ultraprocessados. Essa trajetória reflete a busca por um doce com menos açúcar industrial e mais conexão cultural.


Psicologia da doçura: mais do que sabor


Do ponto de vista psicológico, o doce ativa áreas ligadas ao prazer, à recompensa e à memória emocional. Em situações estressantes, tristes ou festivas, consumir doce costuma operar como válvula de escape ou celebração simbólica.


Curiosamente, um estudo apresentado em junho de 2025 na conferência Nutrition concluiu que o consumo regular de doces não gera necessariamente maior desejo por eles. Ou seja, a narrativa de que "quanto mais come, mais quer" pode ser mito. A relação com o doce tem também componentes genéticos, culturais e emocionais mais complexos.


Convivência do doce com a economia


Em 2025, a inflação levou o consumidor a buscar por produtos em embalagens menores e promoções, mas sem abrir mão das indulgências. Especialistas apontam que, embora o volume geral comercializado tenha diminuído em algumas categorias, os doces permaneceram estáveis ou até cresceram em frequência — em especial os chocolates e balas, que oferecem saciedade de imediato mesmo em porções pequenas.


O brasileiro não ama o doce só pelo sabor: ama o contexto, a memória, o ritual. Comer doce é revisitar infância, transformar comida em afeto, reafirmar identidade.

Se no hemisfério Norte o consumo tende a ser mais moderado, com doces menos doces e orientados pela sobriedade europeia, no Brasil o açúcar é conversa de mesa, sentimento, celebração. Mesmo com a indústria tentando reduzir a doçura ou ajustar porções, o doce brasileiro segue firme — porque comer doce aqui é, antes de tudo, uma forma de estar no mundo.

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