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A influência árabe no Brasil: entre padarias, mourarias e memórias de um povo que não se esquece de suas raízes

  • Foto do escritor: Tali Americo
    Tali Americo
  • 9 de dez.
  • 2 min de leitura

Atualizado: 10 de dez.


Durante décadas, a presença árabe no Brasil foi tratada como um detalhe exótico — uma nota de rodapé em livros escolares que resumiam séculos de migrações a palavras como “turcos”, “mascates” e “esfiha”. O tempo, no entanto, tratou de revelar que se enganava quem pensava ser essa influência apenas gastronômica. Ela é urbana, afetiva, política e, sobretudo, persistente.


São Paulo talvez seja o epicentro mais evidente dessa história. As primeiras padarias libanesas e sírias que surgiram entre Brás, Mooca e ruas tortas do centro desenharam a paisagem social de um povo que chegava com pouco mais que a roupa do corpo e um acento carregado que confundia os funcionários da alfândega. Hoje, o bairro da Rua 25 de Março, frequentemente descrito como caos comercia, é, na verdade, um monumento vivo à resiliência dessa comunidade.



A comida foi, naturalmente, o primeiro idioma dessa integração. A esfiha aberta, que se tornou símbolo paulistano, nunca existiu exatamente dessa forma no Oriente Médio; nasceu aqui, moldada ao forno, ao bolso e ao ritmo industrial das padarias da cidade. O quibe cru, antes reservado a cerimônias e ocasiões especiais, democratizou-se. O homus, antes parte de rituais domésticos, virou prato de happy hour.


Mas reduzir a influência árabe ao prato seria ignorar toda a carga cultural que atravessou o Atlântico. Ela está no comércio — cujos modelos de crédito, fiado e lealdade ecoam valores de aldeias libanesas e sírias. Está na política — basta lembrar a ascensão de famílias árabes em prefeituras, governos estaduais e no Congresso, desde meados do século XX. E está, sobretudo, na memória.


No Oeste do Paraná, por exemplo, Foz do Iguaçu abriga uma das maiores comunidades árabo-muçulmanas da América Latina. Ali, a presença se manifesta não como um resquício, mas como uma força ativa que molda negócios, hábitos, arquitetura e rituais. A mesquita Omar Ibn Al-Khattab, inaugurada em 1983, não apenas ornamenta o bairro, mas organiza parte da vida social da cidade. Restaurantes familiares perpetuam tradições culinárias e mantêm legados imateriais como a prática antiga de servir café com cardamomo a cada visitante, gesto que simboliza acolhimento e respeito.


Em outras regiões do país — de Manaus a Recife, de Belém a Belo Horizonte — a presença árabe se fez notar menos pela quantidade e mais pela intensidade. A lógica do trabalho, a construção dos grandes centros comerciais, a habilidade para negociação e a tendência a criar redes solidárias entre parentes moldaram mercados e fluxos urbanos.


Hoje, quando o brasileiro abre uma esfiha, compra tecidos, experimenta doces banhados em calda de flor de laranjeira ou utiliza palavras como habib, bazaar, almofada e azeite, ele não está apenas celebrando um paladar. Está repetindo gestos centenários de uma cultura que encontrou aqui um novo lar — e que, ao ser absorvida, moldou quem somos.

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