A comida como performance: o prato que provoca e emociona
- Maiara Rodrigues

- 6 de out.
- 3 min de leitura
Num salão escuro, o silêncio é quebrado pelo som de facas afiando. As luzes se acendem lentamente, revelando não apenas uma mesa, mas um palco. Cada prato servido é um ato, cada ingrediente carrega um gesto. A cena parece saída de um teatro contemporâneo — mas é um jantar. Um dos muitos em que a comida vira performance e convida o público a repensar o que é arte, prazer e presença.

Essas experiências, cada vez mais comuns em cidades como São Paulo, Berlim e Nova York, misturam gastronomia, teatro, música e instalação. O público não é espectador passivo: come, sente, participa. É arte para o paladar e para o pensamento.
A fronteira borrada entre cozinhar e criar
A ideia de que cozinhar pode ser um ato artístico não é nova. Desde o futurismo italiano, no início do século XX, artistas já exploravam a mesa como espaço de invenção. Mas o que antes era vanguarda virou tendência contemporânea.
Hoje, projetos como o Dinner Club, do chef-performer argentino Ignacio Mattos, ou o Banquete Manifesto, da artista brasileira Clara Paiva, aproximam gastronomia de rituais e questionamentos estéticos. Há quem sirva pratos sem talheres, quem proponha silêncio total durante a refeição, e até quem transforme o próprio ato de cozinhar em encenação diante do público.
Esses jantares performáticos desafiam tanto a etiqueta social quanto os limites da arte tradicional. Como define Paiva, “a comida é o meio, não o fim. O prato é o palco, e o sabor é parte da narrativa”.
Quando o espectador também é parte da obra
Nas performances gastronômicas, comer deixa de ser rotina e vira experiência sensorial e simbólica. Cada gesto — mastigar, cheirar, esperar o próximo prato — é cuidadosamente coreografado.
Há eventos em que o público precisa preparar parte da refeição junto com o artista. Em outros, os participantes são convidados a comer no escuro, explorando o tato e a audição. O desconforto, aqui, é parte do jogo: o objetivo não é agradar, mas provocar uma percepção nova sobre o ato de comer.
Para muitos artistas, o jantar performático é também uma crítica ao consumo — um lembrete de que comer é um ato político e cultural, não apenas biológico.
A comida como arte efêmera
Se a arte busca permanência, a comida é o oposto: perece, se transforma, desaparece. Justamente aí mora seu poder poético. Um prato performático não pode ser guardado ou reproduzido — existe apenas naquele instante, diante daqueles corpos.
Essa natureza efêmera aproxima o jantar de outras artes da presença, como a dança ou o teatro. Cada experiência é única e irrepetível, e é nisso que reside sua força. Como resume o crítico espanhol Carlos Díaz, “a comida como performance é o ápice da arte viva — porque exige entrega total e desaparece quando termina”.
Entre o ritual e o espetáculo
Para além do discurso estético, esses jantares tocam dimensões emocionais e simbólicas profundas. Comer junto é um gesto ancestral; transformar isso em arte é um modo de resgatar o coletivo em tempos de individualismo.
Há quem compare essas experiências a rituais contemporâneos, em que o alimento é meio de conexão e transformação. O palco é a mesa, mas o efeito é o mesmo de uma peça intensa: o público sai diferente do que entrou.
Conclusão: o sabor da arte está em viver o momento
A comida como performance nos lembra que o cotidiano pode ser poético, e que a arte pode ser servida em um prato. Mais do que unir dois mundos, esses jantares convidam à presença — a estar ali, de corpo e sentidos abertos, participando da obra.
Quando o artista cozinha e o público come, o que se cria é uma comunhão rara entre criação, prazer e pensamento. No fim, o sabor que fica é o da experiência — efêmera, intensa, e profundamente humana.
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