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Portinhas gastronômicas conquistam São Paulo com proposta autoral e intimista

  • Foto do escritor: Tali Americo
    Tali Americo
  • 25 de jun.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 26 de jun.

Nas calçadas de bairros como Santa Cecília, Vila Buarque, Pinheiros e até no Itaim Bibi, é comum ver pequenas filas em frente a portas discretas, fachadas sem letreiro e mesinhas improvisadas sob toldos ou em meio à rua. São os chamados “restaurantes de portinha” — estabelecimentos compactos, com poucos metros quadrados, cardápio enxuto e atmosfera informal — que vêm ganhando cada vez mais espaço na cena gastronômica de São Paulo.

Longe do glamour de grandes salões ou da estética industrial dos food halls, essas portinhas apostam em uma abordagem mais direta: comida autoral, ingredientes de qualidade, atendimento simples e, muitas vezes, um chef presente na operação. “A ideia é criar uma experiência afetiva e acessível, mas sem abrir mão da identidade”, diz Luiza Quintero, chef e idealizadora da A Portinha, no Tatuapé, especializada em tortas artesanais e salgados feitos com insumos de pequenos produtores.

O movimento cresceu após a pandemia, quando muitos cozinheiros migraram de restaurantes fechados ou operações caseiras para espaços compactos, onde é possível atender com menos equipe e custos fixos mais baixos. Hoje, esse formato já não é só solução emergencial — virou tendência.


Do pão ao momô: o que se come nas portinhas paulistanas

Os menus variam bastante, mas todos seguem uma lógica comum: oferta enxuta, preparo cuidadoso e personalidade nos sabores. No bairro de Santa Cecília, a Jaffa serve comida israelense com base vegetal. O pão pita é feito no local e recheado com homus, berinjela assada e temperos do Oriente Médio.

A poucos metros dali, o Cangote Sorvetes traz uma proposta de sorveteria nordestina artesanal. Os sabores — como tapioca com goma, nata com goiabada e rapadura com cachaça — são servidos em copinhos de papel ou casquinhas, para serem consumidos na calçada, como se fosse uma extensão do próprio negócio.

Outro nome que ganhou fama nas redes sociais é o Nosh, também em Santa Cecília. A proposta é simples: sanduíches no pão pita, montados com ingredientes frescos e servidos diretamente do balcão da pequena cozinha, quase sem espaço interno para clientes.

Em Pinheiros, a portinha Momu se especializou em um prato típico do Nepal: o momo, bolinho cozido no vapor recheado com carne ou vegetais. O local, com menos de 10 m², recebe poucos clientes por vez, mas atrai quem busca uma experiência diferente e minimalista.


Um novo tipo de experiência

Segundo especialistas em comportamento de consumo, o crescimento das portinhas reflete uma mudança na forma como o público paulistano se relaciona com a comida fora de casa. “As pessoas estão buscando experiências mais informais, afetivas, com menor impacto ambiental e conexão direta com quem cozinha”, afirma Elisa Ramos, pesquisadora em tendências urbanas.

A informalidade do ambiente, no entanto, não significa desleixo. Ao contrário: é justamente a atenção ao detalhe — desde o pão feito diariamente até os temperos artesanais — que sustenta o apelo dessas microcasas. Em muitos casos, os donos acumulam as funções de chef, caixa e atendente. A relação com o cliente é próxima, quase sempre pelo nome.

Além disso, o ambiente da rua virou parte essencial da experiência. “Não temos mesas internas. Tudo acontece na calçada. As pessoas se sentam no meio-fio, puxam bancos de outros comércios, se conhecem. Vira um espaço vivo, coletivo”, conta Anderson Boeira, fundador da Cangote Sorvetes.

Bairro a bairro, uma nova São Paulo gastronômica

Se antes a alta gastronomia se concentrava em bairros nobres e restaurantes renomados, hoje é possível comer bem em qualquer ponto da cidade — basta saber procurar. A Vila Buarque, por exemplo, se transformou em um dos principais corredores das portinhas, com pelo menos uma dúzia de negócios em funcionamento.

O crescimento orgânico desses espaços tem dado origem a guias, roteiros e perfis especializados em redes sociais. O chamado “Guia das Portinhas”, que começou como uma lista informal no Instagram, hoje reúne dezenas de endereços, com vídeos, resenhas e mapas interativos. O conteúdo gerado por frequentadores se tornou parte do sucesso dos estabelecimentos — muitos deles crescem exclusivamente por indicação boca a boca.


Mais do que tendência, um modo de viver

As portinhas representam uma resposta à saturação dos modelos tradicionais de restaurante. São, ao mesmo tempo, negócio e manifestação cultural. Resgatam a ideia de comer bem sem formalidade, de conhecer quem faz o alimento, de criar vínculos com o território.

Em São Paulo, onde tudo é movimento, velocidade e concreto, essas microcasas oferecem um respiro — uma pausa saborosa, afetiva e, principalmente, humana.


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